Meu Universo Particular!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Acordando com Torquato Neto!

Coincidindo com o Aniversário de Teresina (16 de Agosto -158 anos), hoje li na Revista da Cultura um o artigo (transcrito abaixo) assinado por Cláudio Portella sobre um dos filhos mais conhecidos de nossa capital, Torquato Neto.
Em particular, quando o assunto é Torquato, me vem a lembrança do respeito e a amizade que ele manteve com meus Pais - José Alves (Srº Zeca) in Memoriam e minha mãe (atualmente, a Delegada da Mulher/centro de Teresina) - Drª Vilma Alves. Minha mãe conta que quando estava entre o 4º ou 5º mês de gestação do meu irmão mais velho (Thiago) trabalhava no Instituto de Identificação - SSP-PI, foi designada pelo Diretor do referido Instituto, Drº Delfino Vital da Cunha Araújo (ainda hj conhecido como perito criminal Vital Araújo - Tio do Poeta) para expedir a 2ª via da  Carteira de Identidade de Torquato que deveria viajar na madrugada seguinte para o RJ. Lembra minha mãe, que o poeta se negava a "ajeitar" os cabelos, mas como já era de costume conversar muito com ele, em demorado diálogo o faz compreender que a fotografia para o R.G. deveria ser: "com a testa lambida, orelha de fora e cabelos bem penteados/amarrados", ele, depois de vários argumentos ao estilo "anjo torto" afirmou que só o faria, porque considerava minha mãe e tb em respeito ao seu "estado de graça- gravidez". Em fim, a foto foi tirada pelo TOTÓ - fotografo conhecido de nossa cidade. Depois de revelada a foto, Torquato voltou para entregar a foto para minha mãe, quando a indagou sobre a sensação de gerar um filho; e mamãe respondeu emocionada sobre a beleza da maternidade. Torquato perguntou qual seria o nome do bebê; ela respondeu que gostava muito de Tiago mas meu pai havia escolhido Marcos. Torquato elogiou a escolha afirmando que a sonoridade do nome "Tiago" era poética e recomendou que minha mãe optasse pela junção dos nomes e que a grafia fosse: THIAGO MARCUS, escrevendo num pedaço de papel. Minha mãe gostou, mostrou ao meu pai que acatou a opnião...
Bem, lembranças particulares à parte, antes de trazer à colação, o artigo da Revista da Cultura, disponho de algumas informações sobre a biografia do meu conterrâneo na intenção de apresentá-lo àqueles que não conhecem sua trajetória.
Nascido em nossa capital, 09/11/1944, Torquato Pereira de Araújo Neto foi um poeta, jornalista, letrista de música popular, experimentador da contracultura brasileiro. Em 1962, mudou-se para o Rio de Janeiro, e começou a atuar como agente cultural e polemista defensor das manifestações artísticas de vanguarda, como a Tropicália (Nosso Poeta envolveu-se ativamente na cena cultural soteropolitana, onde conheceu, além de Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia), o Cinema Marginal e a Poesia Concreta, circulando no meio cultural efervescente da época, ao lado de amigos como os poetas Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, o cineasta Ivan Cardoso e o artista plástico Hélio Oiticica.
Torquato foi visto como um dos participantes do Tropicalismo, tendo escrito o breviário "Tropicalismo para principiantes", onde defendeu a necessidade de criar um "pop" genuinamente brasileiro: "Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido". Torquato também foi um importante letrista de canções icônicas do movimento tropicalista. Cabendo aqui enumerar de um modo geral suas composições:
• A coisa mais linda que existe (com Gilberto Gil)
• A rua (com Gilberto Gil)
• Ai de mim, Copacabana (com Caetano Veloso)
• Andarandei (com Renato Piau)
• Cantiga (com Gilberto Gil)
• Capitão Lampião (com Caetano Veloso)
• Coisa mais linda que existe (com Gilberto Gil)
• Começar pelo recomeço (com Luiz Melodia)
• Daqui pra lá, de lá pra cá
• Dente por dente (com Jards Macalé)
• Destino (com Jards Macalé)
• Deus vos salve a casa santa (com Caetano Veloso)
• Domingou (com Gilberto Gil)
• Fique sabendo (com João Bosco e Chico Enói)
• Geleia geral (com Gilberto Gil)
• Go back (com Sérgio Britto)
• Juliana (com Caetano Veloso)
• Let's play that (com Jards Macalé)
• Lost in the paradise (com Caetano Veloso)
• Louvação (com Gilberto Gil)
• Lua nova (com Edu Lobo)
• Mamãe coragem (com Caetano Veloso)
• Marginália II (com Gilberto Gil)
• Meu choro pra você (com Gilberto Gil)
• Minha Senhora (com Gilberto Gil)
• Nenhuma dor (com Caetano Veloso)
• O bem, o mal (com Sérgio Britto)
• O homem que deve morrer (com Nonato Buzar)
• O nome do mistério (com Geraldo Azevedo)
• Pra dizer adeus (com Edu Lobo)
• Quase adeus (com Nonato Buzar e Carlos Monteiro de Sousa)
• Que película (com Nonato Buzar)
• Que tal (com Luís Melodia)
• Rancho da boa-vinda (com Gilberto Gil)
• Rancho da rosa encarnada (com Gilberto Gil e Geraldo Vandré)
• Soy loco por ti, América (com Gilberto Gil e Capinam)
• Todo dia é dia D (com Carlos Pinto)
• Três da madrugada (com Carlos Pinto)
• Tudo muito azul (com Roberto Menescal)
• Um dia desses eu me caso com você (com Paulo Diniz)
• Veleiro (com Edu Lobo)
• Vem menina (com Gilberto Gil)
• Venho de longe (com Gilberto Gil)
• Vento de maio (com Gilberto Gil)
• Zabelê (com Gilberto Gil)
Sua trajetória musical foi marcada pelos Discos:
• Tropicália ou panis et circensis (1968) - Philips LP
• Os últimos dias de Paupéria (1973) - Eldorado Editora Compacto simples
• Torquato Neto - Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia (1985) - RioArte/Prefeitura do Rio de Janeiro e Governo do Estado do Piauí LP
• Todo dia é dia D (2002) - Dubas Música CD
A Historia conta que no final da década de 1960, com o AI-5 e o exílio dos amigos e parceiros Gil e Caetano, viajou pela Europa e Estados Unidos com a mulher Ana Maria e morou em Londres por um breve período. De volta ao Brasil, no início dos anos 1970, nosso poeta começou a se isolar, sentindo-se alienado tanto pelo regime militar quanto pela "patrulha ideológica" de esquerda. Comenta-se que Torquato passou por uma série de internações para tratar do alcoolismo, e rompeu diversas amizades.
À exemplo, das crises, em julho de 1971, escreveu a Hélio Oiticica: "O chato, Hélio, aqui, é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma. Todo mundo virou uma espécie de Capinam (esse é o único de quem eu não gosto mesmo: é muito burro e mesquinho), e o que eu chamo de conformismo geral é isso mesmo, a burrice, a queimação de fumo o dia inteiro, como se isso fosse curtição, aqui é escapismo, vanguardismo de Capinam que é o geral, enfim, poesia sem poesia, papo furado, ninguém está em jogo, uma droga. Tudo parado, odeio."
Em 1972, o “Anjo Torto” Torquato Neto, ceifou a própria vida um dia depois de seu 28º aniversário,. Depois de voltar de uma festa, trancou-se no banheiro e abriu o gás. Sua mulher dormia em outro aposento da casa. O escritor foi encontrado na manhã seguinte pela empregada da família.
Sua nota suicida dizia: "Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar". Thiago era o filho de dois anos de idade.

Então, movida pelo bairrismo (positivo) que me envaidece neste dia especial do Aniversário de 158 anos de Teresina, selecionei uma das frases de Torquato Neto que mais gosto:
"Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela (…). Quem não se arrisca não pode berrar."


Em fim... Torquato Neto, nosso poeta!


Segue abaixo o artigo – na integra – que li na Revista da Cultura, Edição 37 de Agosto de 2010.


A DINAMITE:
TN, O POETA DESAFINADO
Torquato Neto desmoronava e erguia pilares com inteligência, desde a formatação de um movimento estético-cultural, a Tropicália, passando por música, Jornalismo e Cinema.
Por CLÁUDIO PORTELLA
Torquato Pereira de Araújo, neto (isso mesmo, com vírgula e minúscula), se suicida com o gás do banheiro de seu apartamento na Cidade Maravilhosa. Naquela data, 10 de novembro de 1972, morria o compositor, jornalista e papa da Tropicália. Morria ali – assim como a morte de Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix representou para os “porras-loucas” americanos – o mais emblemático ídolo dos “porras-loucas” brasileiros.
Ele era grande consumidor de entorpecentes: fumava maconha diariamente. Há no livro Os últimos dias de Paupéria uma passagem dos textos que Torquato escreveu no sanatório, os quais ele chamava Engenho de Dentro, em que revela uma “experiência” com LSD, com uso diário por mais de um mês. Torquato fazia uma “experiência” perigosa, na mesma época em que o psicólogo Timothy Leary fazia o mesmo, muito provavelmente influenciado pelo próprio. É fácil pensar que cultura e abuso de drogas eram indissociáveis nos anos em que a contracultura montava suas bases. Capinam até se sentia descriminado, naquela época, por ser careta.

EM SI MAIOR
Recusava encarar um mundo careta, procurou sanatórios para tratar de sua dependência química, não de uma possível esquizofrenia. E é aqui que mora o equívoco: a droga não é e jamais será característica de geração alguma. Ela é sempre uma postura individual.
Lembro-me de uma historinha contada pela poeta Olga Savary, esposa do Jaguar na época, em que o Torquato, enfurecido, na redação de O Pasquim, deu um forte empurrão em seu marido, o que resultou na fratura de uma perna do Jaguar. Esse era o Torquato Neto: o piauiense que não levava desaforo de ninguém e que cobrava explicações não só do fato, mas também da coisa, de qualquer coisa que cheirasse a vanguarda. Torquato trabalhou desde a adolescência num livro de poesia intitulado O fato e a coisa.
Tenho uma carta do jornalista e musicólogo Ary Vasconcelos, na qual me conta de seu encontro com Torquato Neto. Ary era jornalista musical da famosa revista O Cruzeiro quando Torquato, em visita à redação, depara com ele e os dois conversam bastante sobre música. Na carta, Ary me fala que era visível a genialidade de Torquato.
Torquato Neto optou por encurtar sua biografia. Chega da ladainha do poeta que morre jovem buscando a consagração antes das rugas. O que quis foi dar as pistas para a maturidade de sua geração – a qual, sem o seu suicídio, jamais pararia para uma prova dos nove. Um dos principais letristas do tropicalismo. Sua arte não se limitava ao logogrifo da forma, pairava sobre o ideológico. Torquato foi para a Tropicália o que Glauber Rocha foi para o Cinema Novo. Escrevia letras como se fossem poesias e poesias como se fossem letras. Tinha esse dom, suas letras apresentavam tanto a verbalização inerente às poesias, como suas poesias a musicalidade intrínseca às letras. Exemplo dessa dádiva é o poema Go Back, que os Titãs musicaram, melhor dizendo, “instrumentaram” dezoito anos depois:


GO BACK
Você me chama
Eu quero ir pro cinema
você reclama
meu coração não contenta
você me ama
mas de repente a madrugada mudou
e certamente
aquele trem já passou
e se passou
passou daqui pra melhor,
foi!
Só quero saber
do que pode dar certo
não tenho tempo a perder


ANDARANDEI
não é o meu país
é uma sombra que pende
concreta
do meu nariz
em linha reta
não é minha cidade
é um sistema que invento
me transforma
e que acrescento
à minha idade
nem é o nosso amor
é a memória que suja
a história
que enferruja
o que passou
não é você
nem sou mais eu
adeus meu bem
(adeus adeus)
você mudou
mudei também
adeus amor
adeus e vem


EM LÁ MAIOR
Ouvindo a gravação de 1988 (os Titãs regravaram em seu trabalho Acústico MTV, com a participação de Fito Paez, uma nova versão inaudível), tem-se a impressão que poesia e melodia foram construídas a um só tempo, tamanha é a sonoridade do texto.
Um exemplo contrário ao anterior, em que uma letra se aplicaria adequadamente como uma poesia, é Let’s Play That. Tanto é que, na antologia de poesia “contemporânea” brasileira Nothing The Sun Could Not Explain, bilíngue (português/inglês), editada pelos poetas Michael Palmer, Nelson Ascher e Régis Bonvicino e lançada nos EUA em 1997, Let’s Play That aparece, em versão modificada por Jards Macalé para seu disco, como poesia. Sendo o referido texto, porém, uma letra para Macalé, como podemos constatar em sua coluna no Última Hora, do Rio de Janeiro: “E de bater na máquina como se fosse com a ponta da cabeça, uma letra pra Naná e uma música com Macalé – dois anos depois do desastre, pleno setenta. Eis a cantiga: ‘Quando eu nasci / um anjo morto / Louco solto louco / Torto pouco morto / Veio ler a minha mão: / Não era um anjo barroco: / Era um anjo muito pouco, / Louco, louco, louco, louco / Com asas de avião; / E eis que o anjo me disse / Apertando a minha mão / Entre um sorriso de dentes: / Vai bicho: / desafinar o coro dos contentes’. Agora então: Let’s play that? Let’s play that? Let’s Play that? Câmbio, Macau”.19.01.1972, quarta-feira.
Torquato foi, antes de tudo, um jornalista combatente e atuante. O “cobrador” da cultura de sua época. Antenado com o mundo, não deixava passar nada: cobrava, instigava, opinava, mostrava. Em sua coluna diária, articulava acerca de cinema (sua grande paixão), música, teatro, concretistas de São Paulo, jornais esquerdistas, poesia marginal (era o início da poesia marginal, ainda escreve sobre Chacal em 8.01.1972 e 29.02.1972). Privava da amizade íntima de vanguardistas como Ivan Cardoso (interpretou Nosferatu no super-8 do Ivan), Luiz Otávio Pimentel (cineasta), Hélio Oiticica (artista plástico), Waly Salomão (poeta). Abriu fogo contra o Cinema Novo e apoiou a marginalidade dos experimentalistas como Júlio Bressane e Rogério Sganzerla, entre outros que representavam o lado urbano e universalista do cinema brasileiro.
Suicidou-se aos 28 anos, na data de seu aniversário. Usuário de drogas, alcoólatra, fazia da bebida exatamente o que o pessoal faz hoje com o crack. Nos últimos três anos de vida, passou por vários hospícios, urgia aprender a viver, desviar-se do encontro marcado com a morte. Morte essa que previu em Jimi Hendrix – 1970, num hospício, anotou no diário: “Eu ouvia os discos, sabia o homem – e, por cima, ainda o conheci pessoalmente e juntos, numa noite gelada de Londres, curtimos o barato de queimar haxixe e escutar os Beatles, com Carlo, Noel e mais uns três caras que estavam lá, crioulos. Torno a perguntar: ‘Onde? Onde em mim?’ Jimi era ‘o homem que vai morrer’, mas não havia datas em sua vida. Por que, então, uma data de jornal ainda me espanta e fere? Eu não sei (não posso, nem quero explicar porque eu, e muita gente mais, sabia de tudo desde muito tempo, posso, com simplicidade, dizer apenas que eu sabia ler a sua música)”.

Viver para ele era estar em constante contato com o novo.


Para se comprometer minimamente com a poesia, é imprescindível ler esse piauiense. Por que não? ©


Fonte: Revista Cultura. http://www.revistadacultura.com.br

Um comentário:

  1. Boa tarde! Sou iconógrafa e procuro o contato dos detentores dos direitos autorais de Torquato Neto, pois pretendemos utilizar um texto dele em um livro de literatura. Você saberia informar algum contato de um herdeiro ou de alguém que saiba indicar?

    Agradeço. Jassany Gonçalves (Editora Ibpex/Curitiba) palavraarteiraico@gmail.com

    ResponderExcluir

Gostou?

Nossos Leitores gostaram igualmente de