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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pelo fim da homologação prévia de sentença estrangeira.

Em razão da importância das discussões acerca da Cooperação Internacional, este post apresenta o artigo: "Pelo fim da homologação prévia de sentença estrangeira" de autoria do Profº Drº Antenor Madruga.

O projeto do novo Código de Processo Civil traz claros avanços na disciplina da cooperação jurídica internacional, mas não quebra o paradigma do juízo de homologação prévio, concentrado no Superior Tribunal de Justiça. Não seria este o momento de o Brasil realmente avançar no tema da cooperação jurídica internacional e dispensar a homologação prévia obrigatória para que as sentenças estrangeiras tenham eficácia no Brasil?
A única referência direta às sentenças estrangeiras na Constituição encontra-se no artigo 105, I, i que estabelece competência ao STJ para homologá-las. O que existe no artigo 105, I, i, da Constituição é apenas regra de competência, indicadora do foro hábil para homologar sentenças estrangeiras, caso essa homologação seja exigível. A exigibilidade de homologação não é tratada em nível constitucional, mas deixada à legislação ordinária, no âmbito da competência da União para legislar sobre matéria processual. Creio, portanto, que a lei ordinária poderia dispensar a homologação de determinadas sentenças estrangeiras, assim como fez, em seu artigo 15, parágrafo único, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/1942), revogado tacitamente pelo artigo 483 do Código de Processo Civil e, expressamente, pelo artigo 4º da Lei 12.036/2009. Segundo esse dispositivo, não dependiam de homologação as sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas. Para os que, além da regra de competência, enxergam no artigo 105, I, i da Constituição norma impositiva de condição de eficácia de todas as sentenças estrangeiras, o fundamento lógico estaria na necessidade de controlar os pronunciamentos das jurisdições estrangeiras, a fim de proteger a soberania e a ordem pública nacionais. Porém, mesmo em se admitindo o entendimento de que as sentenças estrangeiras, para terem eficácia no território nacional, estão, por determinação constitucional, sujeitas ao juízo de delibação pelo STJ, não parece haver no texto constitucional imposição de que essa delibação seja condição prévia e obrigatória a todas as sentenças estrangeiras, mesmo àquelas em que nenhuma das partes interessadas ou ainda a autoridade judiciária ou o Ministério Público vislumbrem ameaça à ordem pública ou à soberania. Uma rápida pesquisa no site do STJ permite observar que dos 7.633 pedidos de homologação de sentença estrangeiras já protocolados no STJ até 15 de novembro de 2011, apenas 299 foram contestados, o que representa menos de 4% do total. E certamente apenas uma fração dessas contestações impediu a homologação. Logo, a quase totalidade das sentenças estrangeiras não tem obstáculos à eficácia no território nacional. Demonstra-se, assim, o desperdício do controle prévio e indistinto exercido pelo STJ sobre todas as sentenças estrangeiras. Esse desperdício agrava-se pelo fato de levar a principal corte federal assuntos não controversos, muitas vezes de jurisdição voluntária, e que, na prática, não passam de questiúnculas que não deveriam ocupar os já muito ocupados Ministros do STJ. Atualmente, protocola-se no STJ uma média de quase 30 novos pedidos de homologação de sentenças estrangeiras por semana, número que cresce por volta de 10% ao ano e que tem, no aumento da globalização e da participação do Brasil na economia mundial, desalentador prognóstico de crescimento ainda maior.
Seria já grande o avanço se o novo Código de Processo Civil alterasse a regra do artigo 483 do atual Código (segundo a qual a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada) para sujeitar à prévia homologação apenas as sentenças contestadas, contra as quais fossem suscitadas violação à ordem pública ou à soberania. Criar-se-ia no juízo de execução da sentença estrangeira espécie de incidente processual de homologação que, somente se suscitado, em determinado prazo, pelas partes, pelo juízo de primeira instância ou até mesmo pelo Ministério Público, seria então encaminhado diretamente para julgamento pelo STJ, por força do que dispõe o artigo 105, I, i, da Constituição. Seria uma espécie de reenvio prejudicial de homologação que teria o mérito de provocar o juízo de delibação não em todas as sentenças estrangeiras, mas apenas naquelas em que a ordem pública e a soberania são questionadas. Note-se que as sentenças estrangeiras, pela solução acima dada, não deixariam de estar sujeitas ao controle soberano pelo STJ, apenas se daria eficiência a esse controle provocando-o quando suscitadas a violação à ordem pública e à soberania, que correspondem ao âmbito material do juízo de homologação. Não instaurado o incidente de homologação no prazo estabelecido, a sentença estrangeira passaria a ter eficácia no Brasil, assumindo a condição de título executivo judicial. Por fim, vejo que a mesma proposta pode servir também à concessão de exequatur às cartas rogatórias, que poderiam, se norma processual ordinária assim permitisse, virem a ser diretamente cumpridas pelo juízo de primeiro grau, a menos que a concessão de exequatur fosse impugnada. Neste caso, assim como se propôs para a homologação de sentenças estrangeiras, a diligência rogada seria sobrestada até decisão da concessão de exequatur pelo STJ. As reformas legislativas devem atentar à realidade atual em que a eficácia da circulação internacional de decisões judiciais e da cooperação internacional para o desenvolvimento dos processos judiciais são necessidade — não ameaça — à soberania de Estados que se veem diante do desafio de prestar eficiente serviço de solução de controvérsias cada vez menos limitadas aos seus espaços jurisdicionais.

Sobre o Autor do Texto: Antenor Madruga é advogado, sócio do Barbosa Müssnich e Aragão; doutor em Direito Internacional pela USP; especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP; professor do Instituto Rio Branco.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2011

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