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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"Investimento externo vai fortalecer advocacia britânica"

A dinâmica da advocacia na Inglaterra deixaria a Ordem dos Advogados do Brasil de cabelos em pé. Em solo britânico, escritório de advocacia é um negócio como qualquer outro: os serviços são prestados por pessoas capacitadas, os preços são regulados pela concorrência e propaganda é a alma do negócio. Bancas estrangeiras são bem-vindas e, desde o começo deste ano, empresários já podem montar o seu próprio escritório de advocacia. Tudo isso junto, para o presidente da Ordem britânica, John Wotton, é a fórmula do sucesso e o que faz da advocacia do Reino Unido a número um em todo o mundo. Wotton concedeu entrevista exclusiva à Consultor Jurídico para falar das mudanças pelas quais vêm passando a profissão. No meio deste ano, os britânicos já vão ter escritórios de propriedade de quem não é advogado. A advocacia vai virar investimento, o que não significa que qualquer pessoa sem um diploma de Direito poderá atuar como advogado no país. À frente da Law Society of England and Wales — equivalente britânica da OAB —, desde julho do ano passado, Wotton é um incentivador dessa abertura do mercado jurídico. “Ela vai contribuir ainda mais para o fortalecimento da profissão de advogado”, afirma. O presidente defende a competitividade como forma de fortalecer o mercado jurídico e beneficiar o público que procura pelos serviços. Em suas respostas, deixa claro que a advocacia é um negócio e não há nada de errado nisso. Tanto é assim que vê com bons olhos a entrada de bancas estrangeiras no país. “O estabelecimento de escritórios estrangeiros em Londres é o que nos ajuda a manter a nossa posição como o centro mundial de serviços jurídicos”, diz.
Wotton só perde a empolgação quando se trata da entrada de recém-formados num mercado que ele mesmo, embora acredite estar em expansão, considera saturado no momento. "Investir nos estudos para se tornar advogado é caro", afirma. E adverte: o estudante precisa saber que a concorrência é grande e que, atualmente, há menos vagas de estágio do que o número de recém-formados. Pelo menos, por enquanto.
Na entrevista, John Wotton fala dos novos modelos de escritório que estão surgindo no Reino Unido e o que a Ordem tem feito para impedir que haja atropelos, seja dos grandes sobre os pequenos, seja sobre a sociedade. E destaca a necessidade de parceria com países em desenvolvimento, como o Brasil, para que os negócios jurídicos continuem crescendo.
Leia a entrevista.
ConJur — A advocacia na Inglaterra sofreu grandes mudanças recentemente. Não é mais preciso ser advogado para ter um escritório de advocacia. Como vê a novidade?
John Wotton — A advocacia britânica é a mais respeitada e competitiva do mundo. Já era assim mesmo antes do surgimento das ABS [Alternative Business Structure, como serão chamados os escritórios que receberem investimento externo]. Atingiu padrões elevados e que acolhem bem os novos modelos de negócio. A abertura desse mercado para investidores externos vai contribuir ainda mais para o fortalecimento da profissão de advogado e a fixação da Inglaterra como a número um em advocacia. As ABS não só oferecem novas oportunidades para os escritórios como obrigam aqueles que não querem se tornar uma ABS a serem mais competitivos, acessíveis e inovadores. A mudança também beneficia os clientes e o público como um todo.
ConJur — Essa abertura traz algum risco para o funcionamento da Justiça? Os advogados podem acabar perdendo a autonomia ao trabalhar para grandes empresas?
John Wotton — A Law Society sempre apoiou a criação das ABS desde que isso não enfraquecesse as proteções à sociedade em relação à Justiça. Para impedir qualquer prejuízo, dois pontos são necessários: certificar que todos os escritórios cumpram as mesmas regras rigorosas e que proprietários e gerentes que não sejam advogados estejam à altura de padrões equivalentes àqueles exigidos dos advogados. As regras impostas para as ABS, entre elas a de que os proprietários não advogados precisam divulgar todas as condenações que já sofreram, alcançam isso.
ConJur — De que maneiras essa mudança vai afetar os escritórios pequenos?
John Wotton — A chegada das ABS traz oportunidades, mas também ameaças para todos os tipos de escritórios, não só para os pequenos. Ninguém ainda sabe qual tipo de negócio e estratégia vai ganhar mais destaque, mas desde que o setor legal esteja bem regulado, o esperado é que todos os escritórios, independentemente da sua composição e financiamento, busquem a maneira mais eficiente e vantajosa para operar. Muitos escritórios já estão acostumados a avaliar o mercado que operam antes de considerar novas formas de estruturar o seu negócio. Condições econômicas, globalização, avanços tecnológicos e tendências consumeristas e sociais impactam em como os negócios jurídicos de todos os tamanhos têm sido dirigidos. É esperado que os escritórios já tenham pensado sobre como a eminente chegada das ABS vai afetá-los e já tenham se preparado para isso.
ConJur — Como está o mercado jurídico na Inglaterra? Ser advogado hoje ainda é uma boa opção para os jovens estudantes?
John Wotton — É um tempo empolgante, embora incerto para se tornar advogado. O mercado jurídico na Inglaterra e no País de Gales é vibrante e contribui significantemente para o PIB do país, mas ainda há uma concorrência significativa para os programas de estágio e os estudantes precisam estar cientes disso antes de embarcarem em processos de treinamento, que são custosos. Além disso, a assistência jurídica no país está à beira de enfrentar cortes drásticos que vão afetar aqueles que já trabalham nesse setor e dissuadir novos advogados a entrarem.
ConJur — A Law Society é contra esses cortes? Por quê?
John Wotton — Se as propostas do governo de reduzir a assistência judiciária se concretizarem, é inevitável que as pessoas mais vulneráveis serão privadas do acesso à Justiça e não serão capazes de efetivamente fazer valer seus direitos. E, sem poder fazer valer seu direito, o chamado Estado de Direito fica sem sentido.
ConJur — No ano passado, a universidade The College of Law disse que, num futuro próximo, a Inglaterra teria mais vagas sendo abertas em escritórios do que novos advogados. O senhor concorda com essa previsão?
John Wotton — É razoável a hipótese de que a abertura do mercado da advocacia possa criar novas oportunidades em todas as áreas jurídicas, inclusive para os advogados. No entanto, atualmente, há um excedente de recém-formados querendo entrar no mercado.
ConJur — O ministro da Justiça do Reino Unido afirmou recentemente que o governo quer contribuir com a expansão da advocacia britânica focando em países em desenvolvimento, como o Brasil e a China. Qual a importância do mercado jurídico desses países para os ingleses?
John Wotton — A América Latina é uma potência econômica em desenvolvimento. A região tem importantes recursos naturais, fonte de energia e petróleo e uma grande variedade de produtos agrícolas. Isso sem mencionar o fato de a região ser líder mundial em áreas cada vez mais importantes, como a tecnologia de produção de biocombustíveis limpos e etanol. Com o crescimento das negociações entre a Inglaterra e os países latinos, aumenta também a necessidade de cooperação entre as comunidades jurídicas. A Law Society tem trabalhado em conjunto com o Ministério da Justiça do Brasil, com a OAB e escritórios brasileiros para encorajar o desenvolvimento de parcerias e cooperação. Por meio da troca de experiência entre os advogados britânicos e brasileiros, nós esperamos encorajar a venda cruzada de serviços jurídicos em benefício de todos. Quanto à China, é também um mercado muito importante e nós continuamos buscando parcerias lá. Já há algum tempo escritórios britânicos se estabeleceram no país e agora vemos satisfeitos escritórios chineses abrindo filiais em Londres. Eu acredito fortemente que o estabelecimento de escritórios estrangeiros em Londres é o que nos ajuda a manter a nossa posição como o centro mundial de serviços jurídicos.
ConJur — No Brasil, o marketing jurídico é bastante limitado pela OAB com base em princípio éticos, diferentemente de como funciona no Reino Unido, onde os escritórios podem fazer publicidade como qualquer outro negócio. O senhor considera que o marketing jurídico no Reino Unido deveria ser mais controlado?
John Wotton — É preciso ter regras que equilibrem os benefícios de a sociedade conhecer bem quais as opções de serviço jurídico à sua disposição com a proteção contra propagandas exageradas e, portanto, enganosas. O ponto principal das regras de publicidade impostas para a advocacia britânica é que a propaganda não seja enganosa e seja suficientemente informativa para garantir que os consumidores possam fazer suas escolhas devidamente informados. Mas não é permitido, por exemplo, que advogados abordem as pessoas, pessoalmente ou por telefone, para divulgar seus serviços sem isso ter sido requisitado.
ConJur — Recentemente o governo britânico disse que o marketing jurídico pode ser um dos responsável por tantas ações sem sentido chegando aos tribunais. O senhor concorda?
John Wotton — Eu não acho que a divulgação da disponibilidade de advogados para pessoas que sofreram algum dano levou a um grande aumento no número de casos injustificados nos tribunais. No sistema de honorários britânicos, nunca vale a pena para um advogado levar à Justiça um caso em que é mais provável que perca do que ganhe, porque os advogados só recebem honorários nos casos em que ganham. O que acontece com a publicidade dos serviços jurídicos é que muitas vítimas, que previamente assumiram que não poderiam pagar para processar o responsável, estão agora tomando conhecimento de que podem buscar compensação pelos danos sofridos sem correr o risco de ir à falência com as custas legais caso percam a ação.
ConJur — A mediação é uma boa saída para reduzir o número de processos na Justiça?
John Wotton — As maneiras alternativas de solucionar conflitos são uma área do Direito em desenvolvimento. Os advogados já estão habilitados para fornecer essas alternativas e dar confiança ao público quando tentam novas maneiras de resolver seus conflitos. Eu entendo a mediação como uma ferramenta efetiva para resolver conflitos em alguns casos apropriados.
Por Aline Pinheiro - correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2012.

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